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Entrevista com Barbara Rosenberg, Sócia do BMA – Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, responsável pela área de Direito Concorrencial e Antitruste



 

Entrevista com Barbara Rosenberg, Sócia do BMA – Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, responsável pela área de Direito Concorrencial e Antitruste

Denis Morante – Fortezza Partners: Barbara, explique-nos qual o arcabouço jurídico em termos de direito concorrencial aplicável a operações de M&A no Brasil atualmente

Barbara Rosenberg – BMA: Há parâmetros para avaliar se uma operação precisa ou não ser notificada ao CADE para aprovação prévia. A Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/11) considera o faturamento do grupo comprador e do grupo vendedor. Cabe então verificar se um grupo envolvido faturou, no exercício anterior no Brasil, mais de R$ 75 milhões e o outro mais de R$ 750 milhões, não importando quem está em cada lado. Se ambos os critérios são preenchidos, e a operação de M&A tem efeitos no Brasil, então a mesma precisa ser analisada pelo CADE; caso não haja necessidade de notificar, a operação pode ser implementada sem necessidade de aprovação prévia.

Se a operação precisa ser notificada ao CADE, importante ter em mente que a mesma não pode ser fechada até a conclusão da análise do CADE e, portanto, as partes terão que continuar se comportando como concorrentes até a aprovação da operação. O mais delicado para as empresas é a impossibilidade de absorver as sinergias desde logo, bem como a restrição de gerir o negócio adquirido, razão pela qual é importante que elas tenham clareza sobre o que pode e o que não pode ser feito nesse período, lembrando que essa análise pode durar até 330 dias. Durante este período, ainda que elas tenham que seguir separadas, as empresas podem adotar todas as medidas necessárias para planejar a operação, muitas vezes por meio de clean teams, o que lhes permitiria passar a atuar em conjunto no dia seguinte à aprovação.

 

DM: Até maio de 2012, a legislação não era a mesma aplicada atualmente. O CADE era envolvido pós-transação. Quais eram as principais diferenças? O que melhorou ou piorou com o novo formato?

BR: A grande diferença que a Lei trouxe foi impedir o fechamento da operação até que a aprovação do CADE ocorra, o que chamamos de análise prévia. Nesse sentido, a nova Lei tornou a atividade de M&A mais complexa e a situação ficou mais difícil para os empresários envolvidos na operação, pois tiveram que passar a aguardar a aprovação do CADE para absorver as sinergias da operação. Até maio de 2012 era possível comprar uma empresa e incorporá-la no dia seguinte, sem qualquer necessidade de aguardar a aprovação do CADE.

No sistema de análise posterior, o CADE perdia muita alavancagem quando entendia que a operação precisava de remédios para ser aprovada, ou mesmo para não aprovar a operação. Naquele contexto, quando o CADE decidia aprovar ou não a operação, ou aprovar com condicionamentos, as empresas já estavam totalmente integradas (na literatura usa-se a imagem de fazer “ovos mexidos”) e, portanto, muitas vezes a atuação do CADE já não era efetiva e ele tinha limitadas condições de intervir. Não havia pressa para fornecer informações nem qualquer incentivo para negociar: quanto mais demorasse a análise, mais tempos as empresas estariam juntas e se não fosse possível negociar remédios, no limite a empresa poderia judicializar a decisão do CADE. Como a análise prévia o equilíbrio de interesses se altera: as partes têm interesse de dar o máximo de informações, o mais cedo possível, e de buscar uma solução negociada quando o CADE entende que remédios são necessários. A celeridade é necessária para que as partes possam fechar o quanto antes.

Fica claro, portanto, que a Lei traz uma mudança institucional brutal. Assim, ainda que as empresas possam entender que a Lei seja um “incômodo” no contexto de um M&A, considero o sistema de análise prévia positivo e necessário, na medida em que permite previsibilidade e busca a manutenção de um ambiente competitivo em benefício dos consumidores. Ela elimina o risco de que uma empresa adquira outra, pague e, eventualmente, tenha que vender posteriormente, tal como ocorreu no caso Nestlé /Garoto, em aberto desde fevereiro de 2002; igualmente, a análise prévia evita que as empresas disputem judicialmente uma decisão de reprovação do CADE por quase 15 anos. Vale a pena lembrar que os regimes concorrenciais que vigoram há mais tempo, como Europa e Estados Unidos, já migraram para a análise prévia há bastante tempo e o Brasil apenas se alinhou com a melhor prática internacional.

Quando a Lei foi aprovada, o grande desafio imposto ao CADE era migrar de um sistema de análise a posterior, no qual por vezes as autoridades levavam mais de um ano para analisar uma operação, para um sistema de análise prévia que exigia uma análise muito mais célere – e isso teria que acontecer “da noite para o dia”. Dado o contexto, fundamental reconhecer o mérito da equipe do CADE nesse processo de migração. Foram criados fluxos e processos que vem permitindo ao CADE analisar operações no rito sumário em no máximo 30 dias; as operações de rito ordinário, sem remédios e com nível médio de complexidade, costumam demorar entre 120 e 150 dias, o que é próximo à média mundial; e por fim, as operações realmente complexas costumam levam quase 1 ano para serem avaliadas, lembrando que o prazo máximo para a análise do CADE é de 330 dias, o que é bastante razoável considerando-se padrões internacionais para operações dessa complexidade.

 

DM: Com esta nova legislação, o Brasil ficou mais alinhado a modelos internacionais? Há ainda melhoras que poderiam ser feitas?

BR: Como mencionado, o Brasil tem uma prática bastante alinhada com padrões internacionais, o que inclusive facilita a colaboração entre autoridades quando se trata de operações envolvendo diversos países simultaneamente. Ainda que sempre haja melhorias a fazer, em matéria de atos de concentração, é comum ouvir que o CADE é uma ilha de excelência dentro dos órgãos públicos: tem um corpo de técnicos qualificado e tem conseguido manter um time estável. Há melhorias de fluxo e processos que poderiam ajudar a acelerar um pouco o processo de análise e entendo que o papel dos terceiros interessados poderia ter regras que evitassem abusos que por vezes ocorrem. Além disso, há alguns critérios de revisão de atos de concentração, como os valores de R$ 75 e R$ 750 milhões de faturamento, que já estão monetariamente desatualizados, já que são parâmetros de 2012. Fundamental ainda que o CADE mantenha sua independência política, dada a sensibilidade dos assuntos ali tratados.

 

DM: De acordo com a evolução dos processos de consolidação por que o Brasil vem passando, quais setores em sua opinião ainda apresentam amplo espaço para consolidação e quais há risco concorrencial por extrema consolidação?

BR: Esta pergunta é bem interessante. Apesar de que há setores nos quais tem havido muitas operações, parece ainda haver espaço em razão da natureza das atividades. Um exemplo é o setor de Saúde. Ainda que o setor de Saúde tenha passado por muitas operações nos últimos anos, ainda há bom espaço para consolidações locais. Como o Brasil tem 5.500 munícipios, pode haver muito espaço se considerarmos que o CADE afere a concentração como local. Veja o setor de varejo que também é analisado pela sua concentração local. Por exemplo, o Makro se desfez de muitas lojas, mas o desinvestimento pode não gerar concentração na medida em que o CADE analisará se localmente a operação vai prejudicar a concorrência. Temos visto também muitas operações no setor de Educação, mas ainda há muito espaço, pois mesmo os principais players ainda têm pouco share nacional e a concentração local pode ser baixa. Vimos operações muito relevantes no setor Agro há uns anos: Syngenta – ChemChina, Dow – Dupont e Basf – Monsanto. Estas operações trouxeram grande repercussão, mas acabaram sendo aprovadas e a discussão sobre tecnologias teve um papel central. Aliás, um grande tópico hoje no CADE e no restante do mundo são as concentrações e condutas no mundo da tecnologia. Eu não tenho a visão de que estas empresas devam ser “segmentadas”, que é um dos tópicos centrais na discussão global sobre este setor. A maneira de se analisar estes mercados ainda está sendo tateada pelos órgãos reguladores pois o nível de sofisticação para análise ainda não foi atingido. Neste sentido, haverá um mundo desconhecido com que os especialistas em direito concorrencial e as autoridades precisarão lidar.

 

DM: Quando uma transação é submetida à sua análise preliminarmente à conclusão, você chega a fazer considerações sobre qual poderia ser o melhor comprador dado o cenário concorrencial?

BR: Certamente, tive esta conversa ontem pela manhã e faz todo sentido fazer análise prévia para se analisar o conjunto de propostas. Tenho um cliente que está com esta dúvida justamente pois ele está fatorando tempo de análise com preço e risco, na medida em que os diferentes compradores trazem aspectos distintos do ponto de vista concorrencial. Eventualmente algum potencial comprador pagaria mais pelo ativo, mas ele levaria mais tempo para aprovar a operação no CADE, ou mesmo teria risco de a operação não ser aprovada. Toda análise concorrencial que fazemos é justamente para permitir que o cliente analise o risco concorrencial de cada um dos potenciais compradores. Geralmente, aqueles que tem mais risco concorrencial poderão pagar mais pois possivelmente terão mais sinergias para absorver.

Até 2012, ninguém pensava em advogado de CADE até assinar a operação; ninguém se preocupava em fazer uma análise de risco concorrencial e nem questões concorrenciais eram parte do contrato. Isso mudou completamente. Aliás, para ambos os lados, comprador e vendedor, a análise prévia de risco é muito importante, inclusive para se planejar a partir do tempo que o CADE deve levar na análise e para ter elementos que serão úteis na negociação do contrato de compra e venda.

 

DM: Como é o trabalho de vocês para apoiar operações de M&A? Poderia nos explicar as principais fases?

BR: Em muitos casos somos chamados relativamente cedo em um processo de venda, ajudando inclusive na organização de dataroom, classificando informações concorrencialmente sensíveis que não poderiam ser acessadas pelo possível comprador. Como a operação pode acabar não saindo, importante evitar que informações sensíveis não sejam enviadas desnecessariamente a outras partes, em especial concorrentes. Outro aspecto no qual atuamos é na montagem de clean teams, para aquelas operações em haverá sensibilidade concorrencial. Também, como comentei, atuamos bastante fazendo análises de risco. Às vezes, entramos antes mesma da operação existir. Ou seja, quando se começa a pensar sobre a viabilidade de uma operação nós somos envolvidos e eventualmente recomendamos não avançar. Já brinquei que as operações mais complexas o CADE nunca chegará a ver, pois os assessores já “vetaram”, recomendaram não avançar dado o alto risco de reprovação. Já trabalhamos inclusive com assessores financeiros que nos consultaram antes mesmo de eles proporem uma operação às partes.

Este assessment de risco é muito importante pois permite às partes entender as possibilidades de remédios e o tempo de análise. Isso é bem importante na negociação das cláusulas do contrato, principalmente aquelas que regem as atividades entre assinatura e fechamento. Nesse contexto, uma discussão importante é a definição do que seria o Curso Normal dos Negócios entre assinatura e fechamento, para definir o que a empresa a ser comprada pode ou não fazer até o fechamento. O comprador não pode ter ingerência nas atividades da futura adquirida, mas precisa garantir o valor do ativo a ser adquirido. Igualmente importante é a negociação de cláusulas de breakup fee naqueles casos com maiores riscos concorrenciais.

Não há como o time de concorrencial dos escritórios não trabalhar em conjunto com o time de M&A se a operação traz minimamente aspectos concorrenciais. E depois da operação, os holofotes viram todos para nós para obtermos a aprovação.

 

DM: Poderia nos explicar os ritos sumário e ordinário nas análises pelo CADE em operações de M&A. Quando a aplicação de cada um é válida?

BR: O CADE merece elogios neste ponto pois são ritos razoavelmente bem definidos. O que traz alguma complexidade é saber como o CADE definirá o mercado e, na prática, isso afetará o rito, lembrando que, no limite, trata-se de uma decisão discricionária do CADE. Rito sumário conta com critérios bastante objetivos que são: concentração máxima de 20% ou, se a concentração variar entre 20% e 50%, o caso é sumário se a variação do HHI for até 200 – o que significa uma baixa concentração. Porém, se o market share for acima de 50%, ou se entre 20% e 50% e a variação do HHI for até 200, será rito ordinário. Outro critério é o de integração vertical com mais de 30% em um dos dois mercados. Na prática, temos visto casos de rito sumário que se tornam ordinários em razão de terceiros impugnarem a operação.

Se o rito é sumário, o CADE tem até 30 dias da notificação completa para analisar o seu formulário. Não há pré-notificação nesse rito e o formulário é mais simples. De toda sorte, no escritório temos a prática de preencher o formulário sumário da maneira completa, pois isso permite que o processo ande mais rápido e evita que um caso de rito sumário se torne ordinário por conta de um formulário mal elaborado. Quando o rito é ordinário, há uma dilatação de prazo pois a Superintendência Geral (SG) analisa e eventualmente o caso pode passar pelo Tribunal. Os casos de rito ordinário costumam levar entre 120-330 dias, dependendo da complexidade e da existência de remédios. Em 2020, aliás, o Tribunal do CADE passou a avocar várias operações que haviam sido aprovadas pela SG, usando uma prerrogativa que a Lei garante ao Tribunal; isso acaba alongando alguns processos e, eventualmente, até pode levar a um entendimento diverso de mérito.

 

DM: Quando o CADE recomenda algo diverso da simples aprovação de uma operação, quais são os principais remédios solicitados quando não há uma simples reprovação? Quais recomendações vocês costumam dar quando percebem que a reprovação é inevitável?

BR: Os remédios para operações horizontais são em regra remédios estruturais, tais como desinvestimento de ativos, ou seja, vendas de lojas, de plantas, de marcas; seria algo estrutural que resolva o problema de forma definitiva. Por vezes, o CADE pede remédios comportamentais aliados aos estruturais, tais como proibir a realização de operações, limitar o assédio a clientes transferidos, limitar o uso de marcas etc. Em operações verticais, a regra são os remédios comportamentais, como não discriminação de terceiros ou garantia de fornecimento.

Neste braço-de-ferro dos remédios, o CADE costuma indicar suas preocupações e as empresas tentam demonstrar ao CADE os remédios que seriam são suficientes. Em alguns casos, quando a empresa notifica a operação ela até já sugere o remédio, seguindo o chamado fit-it-first: isso pode facilitar muito a aprovação em termos de prazo e resultado final. Nos casos em que a empresa entende que o remédio pedido não é aceitável, ela acaba desistindo da operação e, em alguns casos, até mesmo, preferem pagar um breakup fee.

Nos últimos dois anos não há histórico de reprovações pelo CADE, pois ou as empresas aceitaram remédios bastante amargos, ou as empresas desistiram da operação ao ver que o remédio estaria além do aceitável. Há uma operação no Tribunal que está com recomendação de reprovação que é a Tupy comprando a Teksid, mas o caso ainda está sob análise.

 

DM: Além dos itens de faturamento, quais indicadores de concentração utilizados pelo CADE, por exemplo HHI?

BR: Como índice de concentração é somente o HHI (Herfindahl-Hirschman Index que é um índice de concentração de mercado, usado internacionalmente), mas é importante saber que há outros elementos utilizados para analisar a concentração de mercado e a existência de poder de mercado. Em uma análise antitruste deve-se avaliar a melhor definição de mercado relevante, o market share resultante, a existência de barreiras à entrada, rivalidade, pressão de preço entre as partes, efeito de poder coordenado, poder de portfólio, eliminação de concorrente ou futuro concorrente entre outras avaliações. Apenas como exemplo, um caso interessante que tratou da tese de possível eliminação de concorrência foi a aquisição de participação XP pelo Itaú. O CADE investigou se o Itaú compraria a XP para buscar eliminar esse player do mercado e, após a análise, o CADE identificou que tal aquisição não tinha como eliminar o mercado de plataformas abertas que estavam inclusive crescendo.

 

DM: O Brasil é um país com tendência de concentração em setores da economia ou temos estrutura para estimular a concorrência?

BR: Empresários estão sempre atentos a buscar oportunidades de crescimento inorgânico e sinergias, mas não tenho impressão de que sejamos um país com nível maior de concentração que outros. O CADE tem estado atento a movimentos de concentração.

 

DM: Como você analisa evoluções recentes no direito brasileiro permitindo a participação de estrangeiros em hospitais, setor aéreo, proibição em compra de terras, etc? É saudável para a nossa economia? Ou países estrangeiros são igualmente protecionistas?

BR: Nós somos um país com baixíssimas restrições ao capital estrangeiro. Somos bem pouco protecionistas quando comparados ao exterior e o CADE não tem levado em consideração a nacionalidade do investidor ao analisar operações de M&A e nem mesmo protegido os chamados campeões nacionais. Em outros países, há mais intervenção neste sentido: lembremos a recusa recente do Governo francês à entrada de uma empresa canadense no varejo nacional. Conceitualmente não sou contra haver salvaguardas para defender setores, porém isso não pode passar disfarçado em uma análise antitruste. Da mesma forma, não penso ser adequado trazer questões trabalhistas ou ambientais na análise antitruste, ainda que a observação desses aspectos possa ser muito relevante sob outras óticas.

 

DM: Você teve a oportunidade de trabalhar na Secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça de 2003 a 2005. Quais eram as principais atividades que você desempenhou? Acredita que foi um momento em que o Brasil aprimorou seus controles concorrenciais?

BR: Naquela época, a agenda relevante era trabalhar nas pautas microeconômicas. Eu era Diretora na Secretária de Direito Econômico que, dentro do sistema de defesa da concorrência, não focava na análise de operações de Fusões e Aquisições, mas sim no combate a cartéis. Assim, na época eu acabei atuando num número limitado de operações, as quais eram primordialmente analisadas pela SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico) e pelo Tribunal do CADE. Nós, na SDE, dedicamos imenso esforço em desenvolver todas as atividades da luta contra os cartéis, junto com a Polícia Federal e o Ministério Público. Já em 2003, primeiro ano da gestão do Daniel Goldberg na SDE, fizemos o primeiro acordo de leniência e a primeira busca e apreensão.

Foi um momento de importantes avanços institucionais. Na medida em que a SDE e a SEAE dividiram suas atribuições, eliminaram duplicidade de tarefas e adotaram um mecanismo semelhante ao do rito sumário, os atos de concentração passaram a andar mais rapidamente. Na mesma época, o Tribunal do CADE mudou uma interpretação sobre as operações que deveriam ser notificadas, o que reduziu a análise apenas às operações com impactos no Brasil. Tudo isso liberou parte dos escassos recursos para uma atuação mais voltada ao combate aos cartéis. A parte de Atos de Concentração mudou muito por conta da alteração da Lei, como falamos no início deste bate papo, mas na área de carteis os avanços foram crescendo e se institucionalizando; muito do que foi construído naquela época deixou raízes para o que hoje está lá. O combate a cartéis, que começou de forma muito tímida na época, é hoje uma realidade.

 

DM: Quais foram as operações de M&A mais complexas que você já assessorou? Poderia nos contar um pouco sobre os principais desafios de cada uma delas?

BR: A primeira grande operação complexa na qual atuei certamente foi Sadia-Perdigão. O CADE fez uma análise muito cuidadosa, aprofundada, entendendo como estes mercados funcionavam e, ao final de uma longa e detalhada análise, foi possível demonstrar que a operação poderia ser aprovada com o desinvestimento de uma planta e um portfólio de marcas, além de outros remédios estruturais. Do ponto de vista de quantidade de mercados afetados, jurisdições envolvidas e complexidade da notificação em si, a operação entre Dow-Dupont foi a mais complexa, pois havia 300 mercados envolvidos, notificações em dezenas de países e os problemas e remédios não eram os mesmos em cada um dos mercados. A negociação dos desinvestimentos foi uma complexa, inclusive pela necessidade de coordenação com os remédios de outros países.

Outra operação muito interessante e desafiadora foi a fusão entre Bovespa-CETIP. Para aprovar a operação foi importante demonstrar que a fusão de 2 empresas que eram quase monopólios nas suas áreas não era algo problemático, que a empresa fusionada (B3) tinha uma governança que daria conta de eventuais preocupações e que CETIP não era um entrante potencial no mercado de bolsa de valores. Houve um impugnante muito ativo. As companhias se engajaram muito no processo e foram essenciais na tarefa de passar ao CADE as informações essenciais para a compreensão dos mercados afetados. Esse, aliás, é sempre o maior desfio na nossa área – e é também o que mais encanta: a cada nova operação, um novo mercado para conhecer, aprender e apoiar o CADE na sua compreensão.

E trabalhei em operações bem complexas que acabaram não prosperando pois os remédios que o CADE exigiu não eram aceitáveis pelas partes. Operações muito desafiadoras desde que nasceram e que enfrentaram uma certa “tempestade perfeita” no CADE.

 

DM: Antes da nova lei, houve operações importantes com Nestlé com Garoto e Colgate com Kolynos cujos efeitos foram aplicados muito posteriormente ao deal. Você considera que esta demora prejudicou estas operações e a concorrência naqueles mercados?

BR: Não sei responder com precisão, pois não conheço em detalhes os casos. Com relação a Nestlé e Garoto, o CADE determinou o desinvestimento de um ativo, o que acabou não ocorrendo. O mercado de chocolates na época vivia uma realidade muito diferente, com muito menos empresas. Atualmente, arrisco dizer que esta operação nem seria problemática, considerando todos os entrantes internacionais neste mercado e a mudança estrutural que o mercado sofreu.

Kolynos e Colgate ensinou algo muito importante ao CADE: remédios comportamentais em operações horizontais nem sempre resolvem o problema. Ao invés de pedir a alienação da marca Kolynos, o CADE determinou que se suspendesse a marca temporariamente; nesse contexto, a marca Kolynos saiu do mercado, mas foi lançada a marca Sorriso, com identidade visual bem parecida. Essa marca ficou com boa parte do mercado e quando o CADE autorizou a reinserção da marca do mercado, nem houve interesse. Eu diria que quando da negociação dos remédios da operação Sadia-Perdigão, o CADE evitou adotar critérios que não tinham funcionado nesta experiência de Kolynos e Colgate.

Tanto Kolynos-Colgate como Nestlé-Garoto são anteriores à mudança da lei em 2012 e, nesse contexto, como mencionado, o CADE tinha bem menos poder para negociar remédios com as partes.

 

DM: Se pudesse dividir conosco, os seus prognósticos para transações de M&A e impactos concorrenciais para o futuro próximo, seria ótimo…

BR: A novidade maior é a indústria de tecnologia pois precisamos mexer em arcabouço ou tratar de maneira diferente com o arcabouço atual. Considero que haverá muitas operações devido à pandemia. Ainda que o CADE tenha dito que não aprovará operações por conta de pandemia, ou seja, as “failing firms”, pois o CADE não está preparado para absorver isto, mas está analisando muitas operações grandes. Há muitos desafios pela frente e acredito que haverá muita consolidação e o CADE está equipado para continuar trabalhando e analisando estas novas ideias que estão surgindo diariamente.

 

Sobre Barbara Rosenberg: Sócia da área de Direito Concorrencial do BMA. Possui larga experiência em atuar para empresas em atos de concentração, casos de cartel e condutas anticompetitivas, além de apoiar no desenho de programas de Compliance concorrencial. Barbara esteve envolvida nas principais operações ocorridas no país na última década. Dentre seus clientes encontram-se uma variedade de empresas nacionais e internacionais em diversos mercados, tais como indústria farmacêutica, química, eletroeletrônica, alimentos e bebidas, bem como nos segmentos de educação, aviação, logística e infraestrutura.

 

Sobre o BMA: Entre a década de 90 e os anos 2000, o país vivenciou mudanças estruturais. Empresas nacionais e multinacionais ingressaram em mercados até então exclusivos do Estado — como os de energia e telecomunicações — e atraíram investidores locais e estrangeiros em busca de bons negócios. Assim cresceu o BMA, motivado pela missão de encontrar soluções inovadoras, legalmente viáveis e sustentáveis em um ambiente vigoroso de desenvolvimento, de criação de marcos regulatórios e de modelos empresariais nos mais variados setores. Um escritório de advocacia com vocação para o pioneirismo, para os grandes projetos e para os problemas mais complexos, que requerem as soluções mais sofisticadas. 

 

Denis Salvador Morante
Senior Partner – Fortezza
Entrevista com Barbara Rosenberg, Sócia do BMA – Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, responsável pela área de Direito Concorrencial e Antitruste




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