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Laboratório Cristália: Impasses societários em eventos de liquidez



 

Laboratório Cristália: Impasses societários em eventos de liquidez

Nas últimas semanas veio à público o litígio entre os sócios do Laboratório Cristália. O interesse da família Stevanatto em vender a sua participação de 50% na empresa gerou discordância em torno do valor cobrado, fazendo com que a outra parte societária, a família Pacheco, questionasse na justiça o valor justo para a operação, com interesse em adquirir 100% da farmacêutica por meio do “Direito de Preferência” (ou Right of First Refusual em inglês). A cláusula contratual garante que o sócio que tem interesse em vender sua participação poderá buscar por terceiros no mercado, mas tem a obrigação de apresentar ao outro sócio a proposta recebida, esse terá a prerrogativa de fazer a aquisição nos mesmos termos. Mas, nesse caso, a família Pacheco busca condições dentro de parâmetros e valores condizentes com o mercado.

A venda do laboratório ainda não gerou uma proposta de comprador, mas do ponto de vista de processo de M&A potenciais interessados terão mais reticência em tentar fazer a aquisição dado que o ambiente societário está, de certa forma, conturbado e com baixas perspectivas para que haja uma resolução a curto prazo caso. Dificilmente um comprador terá o conforto de adquirir a participação sem que haja uma desistência formal do outro sócio de não executar o seu Direito de Preferência. Mas os acordos societários não precisam acontecer em um ambiente hostil e existem mecanismos para evitar litígios.

O Direito de Preferência pode ser um mecanismo extremamente relevante para dificultar que sócios e a própria empresa busquem opções no mercado de venda de participação, dado que os atuais integrantes do negócio sempre poderão cobrir a proposta feita pelo terceiro interessado. Na prática, terceiros tendem a não dedicar muito tempo e recursos na tentativa de aquisição de participação caso percebam no processo negocial que outros sócios podem executar esse direito. Muitas vezes potenciais compradores ficam com a impressão de que a sua proposta é apenas utilizada para balizamento de valores e condições na negociação entre os atuais sócios.

O Direito de Preferência não é o único mecanismo societário que pode ser usado para resolver discussões de impasse societário referente a venda de participação em uma empresa. É importante ressaltar a relevância dos acordos prévios para que os sócios tenham um direcionamento do que podem ou não podem fazer referente a venda de participações quando estão em desacordo com um assunto sensível e, por vezes, de cunho pessoal de cada sócio. A Lei das Sociedade por Ações (as S.A.s) possui previsões de proteção e direitos aos acionistas minoritários e direito de preferência na emissão de novas ações (a não ser que o estatuto ou acordo tenham alguma previsão contrária), porém vamos falar apenas de regras que são estabelecidas entre sócios, independente da empresa ser uma limitada ou uma S.A.

Na mesma linha do Direito de Preferência, o “Direito de Primeira Oferta” concede aos sócios o direito de fazer uma oferta de aquisição antes mesmo do sócio interessado em alienar sua participação na empresa procurar compradores terceiros. Os sócios que desejam ficar têm a prerrogativa de fazer uma oferta para a aquisição da participação do sócio vendedor e, caso o vendedor não aceite, ele poderá abrir conversas com terceiros, porém não poderá vender a participação a condições inferiores às que foram ofertadas pelos sócios atuais. Diferentemente do Direito de Preferência, o Direito de Primeira Oferta tende a ser menos inibidor para que terceiros dediquem tempo e recursos para uma eventual aquisição. Por outro lado, para que conflitos sejam minimizados, é importante determinar contratualmente o que os sócios consideram por uma proposta inferior para evitar subjetividades e entraves na exequibilidade do Direito de Primeira Oferta.

Outro mecanismo recorrentemente visto nos acordos de sócios é o Drag Along (Direito de Obrigar a Venda) e o Tag Along (Direto de Venda Conjunta). Muitas vezes o “Drag” e o “Tag” andam de forma conjunta, ou seja, existe a previsão de ambos os mecanismos de forma conjunta no acordo de sócios. Porém, não existe nenhum impedimento para que esses direitos existam de forma individual caso os sócios julguem pertinente e aplicável. 

O Drag Along permite com que um sócio majoritário ou um grupo de sócios que detenham o controle da empresa venda suas ações a um terceiro comprador e obriguem os demais sócios a venderem suas respectivas participações em conjunto e sob os mesmos termos, condições e preço. Por outro lado, o Tag Along concede o direito a sócios minoritários a obrigar que o comprador da participação de um sócio majoritário também compre a participação do sócio minoritário sob os mesmos termos, condições e preço. O principal objetivo é proteger os interesses dos sócios, majoritários e minoritários, durante a venda de uma empresa. Estes mecanismos ajudam a garantir a boa-fé e a evitar que qualquer sócio seja tratado injustamente numa transação de venda.

O Drag/Tag Along é muito usado em transações com fundos de private equity com o objetivo de aumentar a segurança de que poderão gerar liquidez nos seus investimentos quando julgarem que a venda da empresa seja adequada do ponto de vista mercadológico e de maturidade do investimento. Para que esse mecanismo funcione bem, é necessário estabelecer algumas métricas, direitos e deveres previamente para que, quando forem executados, não haja subjetividades e desacordos entre os sócios. Alguns exemplos de regras são valores mínimos, definição de qual sócio deverá conduzir o processo e envolvimento dos demais, condições e obrigações que um sócio deverá assumir no contexto da venda de sua participação, entre outros.

Além dos mecanismos explorados até aqui, existem outros que são usados com menor frequência, mas são estratégicos para diminuir ou evitar impasses societários em alguns cenários. Um deles é a recompra de sócios por motivos de invalidez ou caso venham a faltar. Nesse cenário, é essencial determinar se os herdeiros permanecem na empresa ou se haverá a possibilidade de recompra de participação herdada por eles. Isso evita que herdeiros que não possuem conhecimento sobre o negócio ou que não tenham interesse em participar da sociedade saiam de forma organizada e sem prejudicar o andamento da empresa. Também se faz necessário determinar métricas, valores, condições e obrigações previamente, geralmente em acordo de sócios, para que utilizem o mecanismo de forma eficaz quando necessário.

Em suma, esses acordos servem para estabelecer os direitos e responsabilidades dos sócios de uma empresa em cenários que envolvem compra ou venda de participação societária e desempenham um papel crucial na governança corporativa e na gestão eficaz de uma empresa, evitando o prolongamento de conflitos societários que podem impactar negativamente o futuro da empresa. Em grande parte, esses mecanismos são encontrados em acordo de sócios junto com uma série de outras previsões que possuem o objetivo de estabelecer regras societárias e corporativas, mecanismos de resolução de conflitos em geral, proteção do patrimônio dos sócios, atração de novos investimentos e recursos financeiros, regras de não concorrências, entre outros. 

Em uma transação onde um sócio novo ingressa na sociedade, seja financeiro ou estratégico, é importante estabelecer condições, caso não exista um acordo vigente, para determinar as regras societárias e de governança. Da mesma forma, mesmo que não exista uma previsão de mudança no quadro societário, é sempre recomendado que exista um acordo para que as normas já estejam estabelecidas quando uma situação se apresentar, evitando assim impasses e brigas societárias na justiça que podem destruir valor patrimonial e prejudicar o crescimento da empresa.

(O artigo também foi publicado no site do Investing Brasil).




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