Quem passou por alguma experiência de M&A conhece as complexidades e os desafios que se apresentam ao longo das negociações. É comum o deal “morrer” duas ou três vezes antes de ser fechado ou uma das partes “levantar da mesa” ao longo das discussões contratuais. Para adicionar mais um desafio às negociações de M&A, veio a Covid-19, trazendo incertezas e distanciamento social.
Os impactos dessas incertezas no mercado de fusões e aquisições já foram abordados nos últimos artigos publicados pela Fortezza, inclusive em entrevistas com gestores renomados de private equity e com advogados especializados em M&A que atuam no Brasil. Com relação ao distanciamento social, uma nova dinâmica de negociação foi rapidamente construída. Para as transações que já estavam em curso, como se não bastasse o desafio de sustentar as mesmas condições negociadas previamente à pandemia e manter todas as partes na mesa, a distância se mostrou um desafio adicional.
No mês de maio, a Fortezza concluiu a assinatura de uma transação na qual todas as discussões contratuais foram realizadas à distância, por videoconferência. Achamos interessante descrever esta experiência que trouxe muitas reflexões, dentre elas, a importância do “olho no olho” em uma negociação de M&A.
Toda transação de M&A tem aquela semana final de negociação na qual as partes se encontram na chamada “war room” para resolver todos os pontos pendentes dos contratos. No contexto atual, o war room foi todo online. Sem dúvida, a tecnologia é uma grande aliada em tempos de distanciamento social e utilizamos amplamente as ferramentas de videoconferência disponíveis para realizar as reuniões e discutir os contratos. Porém, o comportamento das pessoas atrás de uma tela de computador se mostrou bem diferente daquele observado nas negociações presenciais. O distanciamento torna as negociações mais frias, sem emoções e impulsos. Desta forma, as discussões ficam mais longas e as convergências negociais demoram um pouco mais para acontecer.
Sabe aquele momento em que uma das partes chama seus advisors em uma sala adjacente para discutir determinado assunto? Então, isto foi traduzido em salas paralelas de videoconferência ou conversas de WhatsApp. E aquelas conversas de “pé de ouvido” típica das negociações? Não ocorreram.
Uma boa negociação exige concessões e convergências. Saber o momento certo de colocar algum ponto sensível em discussão ou o momento certo de sair da mesa (quando, e se, necessário) é de extrema importância. Por videoconferência, é mais complicado fazer a leitura da linguagem corporal das pessoas e medir a temperatura da negociação. Notamos também que o artifício de desligar a câmera foi amplamente utilizado por todos. Ao longo da madrugada, já não se viam os rostos de quaisquer participantes que estavam online. Sem dúvida, o contato visual é essencial em uma negociação para confirmar tudo que está sendo dito. O “olho no olho” passa sinceridade e segurança e isso é muito difícil de se capturar através das câmeras.
Quando finalmente se chega à consumação dos contratos, a assinatura eletrônica é uma opção prática, segura e eficiente. Esta provavelmente é uma tendência que veio para ficar, já que economiza horas de processo de assinaturas e rubricas. Por outro lado, a digitalização diminui a solenidade do momento. A venda da empresa é uma decisão extremamente importante e um dos momentos mais marcantes da vida do empresário e, portanto, exige uma certa solenidade que é sempre traduzida em cumprimentos, abraços e o tão aguardado brinde.
Em suma, as transações à distância são possíveis e viáveis. Se isso será uma nova realidade mesmo após o fim do distanciamento social, acho difícil de acreditar. A tecnologia jamais vai conseguir capturar o calor das negociações e a emoção da assinatura de um grande contrato ou conseguir substituir aquele aperto de mão ao final de uma grande transação.
Priscila Cardanha Rosas
Partner
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